por Nelson Taborda: O brasileiro viajou no tempo — mas para trás.
Viajar para fora do Brasil, em 2025, ainda é um exercício de nostalgia financeira.
Para quem se acostumou ao “clique e pagou” do Pix — que hoje representa mais de 40% das transações no país (Banco Central, 2025) — o choque cultural é imediato: filas em caixas, taxas ocultas, limites diários, terminais que não aceitam aproximação e, em muitos casos, a necessidade de carregar dinheiro vivo no bolso.
O mundo ainda é, em grande parte, analógico.
🌍 O CENÁRIO GLOBAL DO DINHEIRO DIGITAL
Segundo dados do Bank for International Settlements (BIS) e do Worldpay Global Payments Report 2025, a realidade global é muito mais fragmentada do que imaginamos:
• 🇩🇪 Alemanha e 🇯🇵 Japão ainda têm 30% das compras presenciais em dinheiro vivo — reflexo de culturas bancárias conservadoras e uma população que valoriza o anonimato financeiro.
• 🇺🇸 Estados Unidos seguem dominados pelos cartões de crédito e débito (quase 70% das transações), sustentados por um sistema fechado, com forte lobby das redes Visa e Mastercard.
• 🇸🇪 Suécia e 🇳🇴 Noruega caminham para o oposto: o dinheiro físico já representa menos de 5% do consumo, e os pagamentos são quase totalmente digitais.
• 🇧🇷 Brasil, por sua vez, virou referência mundial: o Pix redesenhou a infraestrutura de pagamentos, criou inclusão, reduziu custos bancários e colocou o país na vanguarda da instantaneidade financeira.
Mas basta o brasileiro cruzar a fronteira para perceber que o mundo ainda não fala o mesmo idioma financeiro.
👛 A EXPERIÊNCIA DO VIAJANTE DIGITAL
O turista brasileiro se tornou um usuário avançado de tecnologia financeira.
Acostumado a transferir, investir e pagar com um toque, ele estranha quando o digital não responde.
No exterior, reencontra tarifas de câmbio obscuras, IOF elevado, ausência de pagamentos instantâneos e sistemas fragmentados.
É um paradoxo: quanto mais moderno o Brasil se torna em pagamentos, mais arcaica parece a experiência do brasileiro no exterior.
E isso não é apenas uma questão de conveniência — é um entrave real à inclusão financeira global.
⚖ OS DESAFIOS ESTRUTURAIS
O problema vai muito além das tarifas. Ele é regulatório, técnico e cultural.
Mesmo com o avanço de redes instantâneas como o SEPA Instant (Europa), Faster Payments (Reino Unido) e UPI (Índia), o mundo ainda carece de interoperabilidade global — a capacidade de um sistema conversar com outro em tempo real, de forma segura e auditável.
Entre os principais obstáculos:
1. Regulação e compliance: cada país adota normas próprias de AML, KYC e proteção de dados. Conectar sistemas significa harmonizar legislações, o que exige acordos multilaterais e confiança institucional.
2. Infraestrutura bancária desigual: em muitos mercados, os bancos ainda dependem de sistemas legados, lentos e caros.
3. Custos de liquidação e câmbio: mesmo em redes instantâneas, o câmbio ainda opera em janelas fixas e sob intermediação de bancos correspondentes.
4. Cultura e confiança: há países onde o dinheiro físico ainda é sinônimo de liberdade — e não de atraso.
Em resumo: a tecnologia já está pronta; o mundo político-financeiro ainda não.
🚀 OPORTUNIDADES EMERGENTES
Mesmo assim, há sinais de convergência.
O BIS Innovation Hub e o G20 vêm discutindo a conectividade entre sistemas de pagamentos instantâneos, e o Brasil é protagonista.
Projetos como o BIS Nexus, que conectará redes como Pix, UPI (Índia), DuitNow (Malásia) e PayNow (Singapura), estão em fase piloto — e o Pix Internacional, também chamado de Pix Roaming, já é tema de cooperação entre o Banco Central do Brasil, Colômbia e Uruguai.
No horizonte, a integração com moedas digitais de bancos centrais (CBDCs) promete ser o próximo salto.
Quando o Real Digital e outras CBDCs latino-americanas começarem a interoperar com stablecoins regulamentadas e redes internacionais, a barreira entre “dinheiro local” e “dinheiro global” pode desaparecer.
E nesse espaço, as fintechs têm o protagonismo: elas não carregam o peso dos legados bancários e podem construir pontes onde os sistemas tradicionais erguem muros.
O novo ouro do sistema financeiro não será o dólar — será a velocidade transacional.
🔎 POR QUE ISSO IMPORTA
O que está em jogo não é apenas o conforto do turista brasileiro, mas o papel do Brasil na nova economia financeira mundial.
Se o país conseguir exportar sua expertise em pagamentos instantâneos, API Banking e segurança digital, poderá se tornar um hub de interoperabilidade regional, conectando América Latina, Europa e Ásia.
O Pix Roaming não é apenas uma funcionalidade: é uma política de Estado — e uma janela para o futuro do dinheiro global.
O desafio é transformar uma inovação doméstica em uma infraestrutura internacional, capaz de sustentar turismo, comércio e investimentos com a mesma fluidez com que hoje compramos um café via QR Code.
🌎 O FUTURO: O PIX COMO PASSAPORTE
Quando o Pix Internacional for uma realidade, o brasileiro deixará de “voltar no tempo” ao viajar.
Ele apenas atravessará fronteiras, mantendo sua identidade financeira conectada ao mundo — sem câmbio, sem taxas absurdas, sem burocracia.
E nesse momento simbólico, o Brasil deixará de ser um país emergente em finanças para se tornar referência global em eficiência digital e inclusão financeira.
Porque, no fim das contas, o futuro do dinheiro não é mais sobre papel, plástico ou código —
é sobre confiança instantânea.
💬 O próximo passaporte do brasileiro será digital — e o Pix será o seu visto para o mundo.

