ITuring está de olho não apenas no déficit de profissionais de tecnologia no Brasil, mas na qualidade da formação; escola aposta em parceria com a indústria
Sobram vagas em tecnologia, mesmo em um país com 14,8 milhões de desempregados, recorde da série histórica iniciada há nove anos. A mais recente dessas startups é a ITuring.
A escola de tecnologia começou a operar neste mês, com cursos de curta duração sobre “análise de dados para negócios” e “tornando-se um engenheiro de software moderno”. O investimento inicial foi de R$ 30 milhões.
O valor foi aportado pelo Abaporu, fundo de investimentos de Efraim Horn, fundador da Cyrela. No conselho de administração da ITuring estão nomes como Maurício Safra, também do Abaporu; Rogério Melzi, ex-presidente da Universidade Estácio de Sá; Ronaldo Mota, membro da Academia Brasileira de Educação e ex-reitor na Estácio; e Youssef Mourad, CEO da empresa de conteúdo corporativo Digital Pages.
Carlos Souza, fundador da ITuring, empreendeu anteriormente tanto com cursos online quanto em capacitação de profissionais de tecnologia. O engenheiro aeronáutico trabalhou no mercado financeiro, em uma multinacional de bens de consumo e abriu seu primeiro negócio em 2011: a Veduca, plataforma de cursos online abertos (MOOCs).
“O negócio provou a tese de que os brasileiros procuram uma educação de qualidade, caso exista acessibilidade. Dada a oferta, a demanda existe”, diz Souza em conversa com o Do Zero No final de 2015, Souza assumiu a operação brasileira do unicórnio americano de cursos online Udacity.
Em três anos, a Udacity acumulou 35 mil estudantes formados em cursos de curta duração conhecidos como nanodegrees. “A ideia é ser uma microespecialização. São cursos que duram cerca de seis meses e têm foco na prática, com aprendizagem baseada em projetos e parceria com empresas da indústria de cada curso. Os estudantes aprendem novas habilidades em tecnologia, enquanto startups a grandes empresas veem maior oferta de profissionais qualificados”, diz Souza.
No final de 2019, a Udacity fez uma reestruturação global e encerrou operações internacionais, inclusive no Brasil. Souza decidiu fundar um projeto brasileiro similar. “Reunimos uma equipe complementar em nosso conselho e conversamos sobre como resolver o problema da falta de mão-de-obra em tecnologia”, diz Souza. “Vimos que não é apenas uma questão de escala, mas de qualidade no ensino. Temos boas escolas que formam pouca gente, e instituições com alcance, mas não formam profissionais com as habilidades demandadas pelo mercado. Se olhássemos só para um lado, nossa contribuição seria menor.”
A Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação e de Tecnologias Digitais (Brasscom) estima que será preciso contratar 70 mil profissionais por ano até 2024 no setor de tecnologia da informação e comunicação (TIC). Em 2017, porém, apenas 46 mil profissionais foram formados em cursos superiores na área (bacharelado e tecnólogo). Porém, o Ranking Mundial de Competitividade Digital 2020 do IMD mostra que o Brasil está na 51ª posição, de 63 países analisados.
“Dois fatores puxam o país para baixo: ‘talento’ e ‘treinamento e educação’. Isso chama a atenção principalmente porque, em um país com milhões de desempregados, as empresas não conseguem crescer justamente porque falta essa mão-de-obra específica”, diz Souza.
A ITuring começou a operar com dois nanodegrees – o terceiro deve ser lançado em setembro. A escola se inspirou em algumas características da Udacity para se diferenciar de cursos de curta duração em tecnologia. “Nosso primeiro diferencial é a parceria com grandes empresas da indústria, como Loft e Microsoft. Elas têm o entendimento de quais são as habilidades necessários para os profissionais terem sucesso”, diz Souza. As companhias ajudam a apontar quais são as lacunas de formação que veem em suas contratações – por exemplo, achar desenvolvedores e engenheiros de software que façam uso das melhores práticas e consigam trabalhar em equipe.
Além de ajudar na criação do curso, alguns instrutores são dessas empresas parcerias e revisam projetos dos alunos. “O segundo diferencial é a aprendizagem baseada em projetos. O estudante vê um problema real, propõe uma solução e a desenvolve do zero. São quatro ou cinco projetos durante o nanodegree, cada um com um feedback em até 24h. O aluno pode refletir e melhorar constantemente”, diz Souza. Um último diferencial apontado é o contato com os estudantes: todas as dúvidas também são respondidas em até 24 horas. “Custa, mas faz uma grande diferença no aprendizado.”
Diferente de outros cursos de curta duração, a ITuring tem um processo seletivo. Os inscritos podem fazer dois dos sete módulos de maneira gratuita. As aulas e o primeiro projeto servem como avaliação. Apenas os candidatos que tiverem boas notas podem se matricular. “Geralmente o estudante precisa pagar adiantado para fazer um curso, mas não sabe se tem os pré-requisitos necessários. O processo seletivo é uma inovação em relação ao mercado de aulas de curta duração. O aluno se o curso é o que ele esperava e ainda recebe o feedback gratuito de um especialista.”
Cada nanodegree dura entre cinco e seis meses, com dedicação de 10 a 15 horas semanais. Isso permite que os alunos conciliem um emprego em tempo integral com o curso. O custo é de R$ 1.990.
A ITuring tem três públicos em mente: profissionais que já trabalham em tecnologia e precisam aperfeiçoar suas habilidades; profissionais que estão mudando de carreira; e jovens profissionais que buscam sua primeira carreira. Os nanodegrees atendem o primeiro público. A ITuring conversa com o Ministério da Educação (MEC) para desenvolver pós-graduação e graduação para 2022. “São públicos maiores, então teremos um efeito de grande impacto em longo prazo”, diz Souza.
As metas da ITuring são ambiciosas. A escola espera alcançar 4 mil estudantes até o final de 2022, e 1 milhão de alunos em dez anos.
“A área da educação sempre esteve em nossos planos como um setor que iríamos olhar por termos a liderança do Melzi, que foi CEO da Estácio. Notamos que nas diversas investidas do grupo e nas startups com que conversamos, um tema é sempre recorrente: o gargalo para o crescimento dessas empresas é a falta de profissionais capacitados para a área de tecnologia. Por outro lado, o Brasil vive uma crise econômica e tem uma massa enorme de pessoas querendo trabalhar, mas elas não têm a capacitação demandada pelas empresas”, afirmou Maurício Safra, do Abaporu, ao Do Zero Ao Topo.
“A oportunidade é grande, e quando se investe em empresas nesse estágio pré-operacional o mais importante é avaliar a oportunidade. Qual o tamanho do mercado, quais as competências dos fundadores, se é possível se posicionar para ser um vencedor e se existe um propósito que atraia e motive talentos. A Hospital Care será o nosso maior e mais importante investimento por ainda muitos anos. Na ITuring, estamos plantando a próxima safra.”
“Claro que é um negócio e precisamos ser financeiramente sustentáveis. Mas não podemos esquecer do que queremos construir, do propósito de criar uma escola que pode melhorar a vida dos brasileiros e o Brasil”, completa Souza.
Fonte: Infomoney